“A era da incerteza” e “O futuro do capitalismo”

"A Era da Incerteza", de Galbraith

“A Era da Incerteza”, de Galbraith

A economia é a mola mestra da conduta humana e, em seu entorno, pairam inúmeras dúvidas e questionamentos e muito poucas certezas. E as incertezas da conduta da economia estão diretamente ligadas à inconstância do comportamento humano com relação aos fatos econômicos ocorridos. Duas obras se apropriam deste tema para trazer a tona e apresentar, por um lado o fio condutor da história econômica, qual seja “A era da incerteza”, de John Kenneth Galbraith, analisada neste artigo em sua versão publicada no Brasil em 1979, pela editora Pioneira e, por outro lado, os desafios – principalmente do modelo econômico predominante mundialmente – “O futuro do capitalismo: como as forças econômicas moldam o mundo de amanhã” (Lester Thurow, 1997, Rocco).

Galbraith, em sua obra, aborda a evolução da economia desde os primórdios, a partir de Adam Smith, Thomas Malthus e David Ricardo, principalmente os dois primeiros, que fundamentam o texto.

Com relação a Adam Smith, invoca sua principal teoria, a da mão invisível – não somente do estado, mas também a dos empresários e sindicatos – e, também, a questão da especialização nas funções, no que se refere ao estreitamento do conhecimento do funcionário da empresa em determinada tarefa, até chegar a produtividade plena bem como na determinação da linha estratégica (ou especialização) da nação; seja um país produtor, industrial ou mercantil.

O segundo alicerce da obra de Galbraith são os ensinamentos de Thomas Malthus, que giram em torno da relação entre terra (capacidade produtiva) e gente (capacidade reprodutiva). Para Malthus, a capacidade reprodutiva (principalmente nos tempos da Revolução Industrial), era determinada em escala geométrica, enquanto que o crescimento da produção agrária, que garantia a subsistência das pessoas, se dava de forma aritmética, ou seja, o crescimento da população era muito superior ao crescimento da produção que a sustentasse, gerando desequilíbrio entre as forças.

A obra de Galbraith não estaria completa se não realizasse uma referência a Karl Marx que, em companhia com Friendrich Engels, criou as obras que são o sustentáculo do socialismo, o Manifesto Comunista e Das Kapital (O Capital).

Segundo o autor, Marx possui mais adeptos e/ou seguidores do que o profeta Maomé[1], embora este próprio não seja o iniciante da discussão socialista na Europa. Outros autores já abordavam o assunto em seus escritos, como Saint-Simon e Charles Fourier entre outros. A junção das ideias destes outros escritores é que criou o pensamento de Marx.

Com relação ao Manifesto Comunista, seus conceitos e estilo vêm sendo utilizados em ambas as partes de qualquer embate político ao redor do globo; seja entre democratas e republicanos nos Estados Unidos, seja entre franceses de direita ou de esquerda, ou, por qualquer político de qualquer partido no Brasil; neste ou naquele ponto.

Em sua outra obra relevante, Das Kapital, Marx disserta sobre o conceito de mais-valia, que, explicando de forma simples, era tudo o que operário (o proletário de David Ricardo) não recebesse quando do reparte dos proventos da venda de um produto manufaturado em qualquer empresa, ficando essa diferença nas mãos do empresário (ou proprietário dos meios de produção). Como resultado desta operação, o capital se concentraria nas mãos dos investidores, tornando-se recurso para a aquisição de outras empresas, fortificando-os ainda mais, causando – na opinião de Marx – o fortalecimento do capitalista e o enfraquecimento do capitalismo.

Um dos reflexos da ascensão dos pensamentos socialistas de Marx é a Revolução Russa, ocorrida ao final da Primeira Guerra Mundial, efeito da revolta dos agricultores russos, colonizados, em grande parte, por pessoas de menor nível cultural e intelectual, por serem donos da terra e participantes da aristocracia por hereditariedade e não por competência.

Lênin, um dos principais condutores e orquestradores da Revolução Russa, conduzia seus trabalhos de fora daqueles territórios, por questões políticas, devido às quais sofria grande perseguição. Era seguidor dos escritos e ideias de Marx, porém não fielmente. Divergiam em alguns pontos, sendo que o principal era de que, para Marx, era necessária a existência do capitalismo forte para então haver a revolução socialista, enquanto que para Lênin, o principal era haver o descontentamento do povo com o regime em voga, fosse qual fosse, o que acabou se caracterizando em um dos pilares do sucesso da implantação do socialismo na Rússia.

Voltando um pouco na história – e relevante para o prosseguimento deste artigo – cabe ressaltar que uma das grandes inovações do homem foi resultado deste período, a saber, a evolução na confecção de materiais bélicos cada vez mais letais – seja em alcance, repetição ou tamanho, sendo resultado desse aprimoramento o sentimento entre os convocados à guerra de que a chance de retorno era praticamente zero. O resultado mais importante deste avanço, na opinião de Galbraith, é a metralhadora.

Para o autor, a Primeira Guerra Mundial também serve de marco para o início da Era da Incerteza, principalmente no que tange ao dinheiro, que sempre havia sido “uma das grandes certezas da vida” (GALBRAITH, 1979, p. 157).

Quando aprofunda seus comentários acerca do dinheiro, Galbraith disserta sobre sua origem e, principalmente, dos mecanismos utilizados ao longo do tempo para dar-lhe credibilidade. Ora ouro, ora prata e, até, terra em alguns casos foram utilizados como lastro para garantir e/ou certificar seu valor. O surgimento dos primeiros bancos e a descoberta do seu principal negócio – o empréstimo do dinheiro a juros – também são temas abordados pelo autor, bem como os desafios enfrentados por estas instituições durante suas existências, com principal foco aos bancos nacionais da França e da Inglaterra, que serviram de base para o desenvolvimento das principais rotinas e rigores para o desenvolvimento dos demais bancos nacionais.

Ao abordar o dinheiro, não se pode deixar de mencionar o papel-moeda, uma das principais contribuições americanas ao processo, a partir de uma promessa de soldo de guerra aos militares de Massachusetts, com seu valor garantido por ouro. Um dos grandes problemas enfrentados pelo papel-moeda foi a falta de uniformidade e aceitação de valor após um tempo. Na época da Guerra Civil Americana, haviam cerca de 7.000 tipos de notas bancárias, com aproximadamente 5.000 tipos de notas falsificadas. Tanto que ao término da Guerra Civil, a emissão de dinheiro (papel-moeda) não foi mais permitida nos Estados Unidos por medida constitucional. Esta prática somente viria a ser retomada ao término da Primeira Guerra Mundial, através de uma brecha na lei.

Em uma obra acerca da história da economia, dificilmente se escapa da fatídica Quebra da Bolsa de 1929, originada a partir de um sentimento coletivo de perda de valor e uma corrida à Bolsa de Valores para a venda dos títulos em sua posse, causando vultuosa perda de valor aos papéis negociados. Outros resultados do Crash de 1929 foram a falência de cerca de 9 mil bancos, a queda do Produto Nacional Bruto em 1/3 e aproximadamente 1/4 dos trabalhadores americanos estavam desempregados.

Neste ponto da obra surge um novo pensador da economia, John Maynard Keynes, que, de certa forma, contrariava os princípios de Adam Smith, com relação à intervenção estatal na economia. Keynes defendia que “o governo fizesse empréstimos e que gastasse os fundos daí resultantes” (GALBRAITH, 1979, p. 212). Uma manobra que garantiria dinheiro para a população se restabelecer e, por outro lado, empregos, o que, para muitos contemporâneos dele, lembrava algumas práticas comunistas.

Muito provavelmente, o ápice da carreira de Keynes foi o Fórum de Bretton Woods, realizado em 1944, próximo ao final da Segunda Guerra Mundial, em que representantes de 44 países se reuniram com o economista para traçar diretrizes para a economia mundial. Os principais resultados deste encontro foram a extinção do ouro (ou qualquer outro metal) como lastro econômico e a criação tanto do Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento quanto do Fundo Monetário Internacional. Os resultados deste encontro também podem ser encarados como o principal resultado econômico da Segunda Guerra Mundial, que também teve com desenlace político uma questão deveras relevante: a Guerra Fria.

Com o mundo dividido entre duas potências (Estados Unidos, com base capitalista, e a União Soviética, socialista), pode-se observar uma corrida armamentista originada na incerteza de que o “adversário” iria atacar a qualquer momento. Como o próprio autor coloca, “uma confrontação entre o comunismo e o capitalismo, entre a disciplina autoritária e a liberdade pessoa, entre o ateísmo e a fé espiritual” (GALBRAITH, 1979, p. 228). A sustentação desta corrida armamentista estava sustentada em dois fatores: por uma lado as Forças Armadas (de qualquer um dos lados) que realizava pedidos à indústria armamentista que, com o lucro, reinvestia em inovações e melhorias, que fomentavam novos pedidos, num ciclo incessante; e, por outro lado, no medo de que o adversário possa estar desenvolvendo artefatos bélicos melhores dos existentes.

Galbraith relembra que em alguns momentos, durante este período de Guerra Fria, chegou-se próximo do conflito final dada a tensão do relacionamento entre as potências, mais evidentemente quando do caso dos mísseis russos em Cuba e na Guerra do Vietnã, onde fortemente agiu o povo americano em prol de seu término.

Na opinião do autor, as duas décadas após a Segunda Guerra Mundial, apesar da Guerra Fria, foram bastante satisfatórios para a economia ocidental, proporcionando grande expansão para as multinacionais e reforçando o seu papel e sua intervenção na política e nos costumes. Envoltas em mitos e realidades, essas organizações que se dizem orientadas pelo mercado, na verdade são manipuladoras do mercado, através do seu poder de argumentação e sedução com o uso de vultosas quantias monetárias destinadas à publicidade e também à lobistas nos centros políticos, que supostamente colaboram com o desenvolvimento intelectual, cultural e social de seus funcionários, quando na verdade – de certa forma – rouba suas identidades, moldando-os aos seus padrões e procedimentos.

Por outro lado, a grande empresa multinacional, tecnicamente um conglomerado capitalista, assume para si algumas funções do estado, como cuidar da saúde de seus funcionários, por exemplo, numa forma de socialismo, que é interessante para a empresa também, quando esta passa por dificuldades, necessitando do auxílio do governo para evitar a falência e, por consequência, a demissão de inúmeros funcionários no país em que está instalada determinada filial.

A busca por oportunidades nestas grandes empresas multinacionais gera o deslocamento de pessoas – migrações – dentro e entre países, que se transforma em uma eterna saga em busca do equilíbrio entre terra e gente. Isso porque o desenvolvimento de técnicas agrárias possibilita a potencialização das safras e certo excedente financeiro para os agricultores, que reinvestem na educação de seus filhos que, em determinado momento, não se sentem mais à vontade para executar as simples tarefas do campo e saem em busca de novos horizontes.

Em algumas situações ocorre o contrário. A falta de oportunidades e de desenvolvimento agrário em determinadas áreas gera, da mesma forma, movimento similar. Estas pessoas serão as que executarão as tarefas que não possuem mais mão-de-obra suficientemente barata para executar, devido à sua alta qualificação. Se, por um lado o Estado (bem como os moradores nativos e/ou já instalados) não deseja estes “intrusos”, por outro, as grandes empresas multinacionais estão sedentas por eles, o que gera atrito entre as partes.

Para sanar esta questão, como explora a obra, em alguns lugares foi difundida a ideia de que este processo seria passageiro e facilmente reversível, o que se revelou uma grande falácia, pois, à medida que estes imigrantes se assentavam e melhoravam de condição, não havia como repatria-los, gerando novo desequilíbrio entre os dois fatores malthusianos: terra e gente.

Esta fuga das pessoas em busca das oportunidades gerou novas necessidades nas cidades, nas metrópoles, que são uma síntese da evolução do mundo e de diversos tipos de cidade, cada qual com suas características, a saber: Domicílio Político, Cidade Mercantil, Cidade Industrial e Campo, que enfrenta grandes desafios. Os principais deles – onde o capitalismo deu errado –, segundo Galbraith, a geração de boas residências a um custo módico, a oferta de bons serviços de saúde pública e, por último, mas não menos importante, a disponibilização de transporte eficiente para sua gente.

Para gerir estas metrópoles, o sistema mais utilizado no ocidente é a democracia, onde o povo escolhe seus líderes e, por eles é guiado e conduzido sem grande poder de contestação ou de mudança, afinal, o governante foi lá posto pelo desejo da maioria, pelo voto. E, grosso modo, esta é a forma como a democracia é encarada em 99% dos países que adotam este modelo de escolha de governantes. O voto dá ao povo a sensação de poder, quando na verdade, este poder é do governante escolhido. Em raras exceções, o modelo democrático é utilizado para tomar decisões de governo, não de quem governa. Na maioria esmagadora dos casos, o processo de seleção dos novos governantes é encarado como um “esporte de multidões” (GALBRAITH, 1979, p. 335), em que a escolha para o próximo presidente (ou representante) “começa quando a campanha em andamento se acalma”. (GALBRAITH, 1979, p. 336).

Este modelo se garante até que ocorra um desequilíbrio entre governantes e governados, quando estes não se sentirem mais representados por aqueles, o que gera o atrito e o inicia processo de troca de lideranças, seja pelos meios legais ou pela revolução.

Livro "O futuro do capitalismo", de Thurow

Livro “O futuro do capitalismo”, de Thurow

A partir deste ponto, é interessante notar a continuidade que a obra de Galbraith possui na de Thurow – “O futuro do capitalismo: como as forças econômicas moldam o mundo de amanhã”.

A obra de Thurow utiliza, para explicar a economia, efeitos geológicos e biológicos, em uma analogia interessante.

Para este autor, o capitalismo é o sistema que – apesar de todos os percalços – é o que tem funcionado, devido, principalmente, à questão da melhoria da condição de vida das pessoas.

A escolha pelas ciências físicas (geologia e biologia) se dá pela capacidade de analisar e/ou explicar de forma mais didática, o que vem acontecendo no mundo.

Na geologia, há o conceito de placas tectônicas, os maciços sobre os quais estão os continentes que, lentamente, se deslocam na superfície do magma derretido que se encontra no núcleo da Terra. Quando há o choque destas placas umas com as outras, ocorrem os abalos sísmicos, vulcões, maremotos e outros acidentes geológicos. Para o homem comum, somente se percebe o que se passa na superfície, o que é aparente, mas o geólogo pesquisa a razão do acidente a fundo, na sua razão. Assim como na economia, por vezes um mal resultado econômico de um país ou a perda de poder de compra de uma camada populacional qualquer não pode ser encarada como um evento isolado, mas sim, participante de uma cadeia de fatores interligados que culminaram naquele resultado.

Na biologia, por sua vez, há o conceito de equilíbrio interrompido, quando “o ambiente muda subitamente” (THUROW, 1997, p. 20) e a espécie dominante de outrora “desaparece rapidamente e é substituída por outra” (THUROW, 1997, p. 20). Este evento foi mais notadamente percebido quando do desaparecimento dos dinossauros no mundo, em que algum fato rompeu o equilíbrio existente na época e dizimou os grandes seres dominantes, os que compunham o topo da cadeia alimentar daquela era.

Em três pontos a obra de Thurow se mostra correlacionada com a Galbraith e fortalece o sentido de convergência e continuidade: a multinacionalidade das organizações, o crescimento e migração da população do mundo, e a predominância dos valores individuais sobre os sociais, apesar do espaço de praticamente duas décadas entre as obras.

Em outro ponto de convergência entre as obras, Thurow aborda o crescimento do conhecimento científico, tema também levantado por Galbraith, ao falar da busca de oportunidades pelas gerações mais novas, não mais interessadas pelo trabalho braçal das áreas agrícolas.

Em sua analogia à geologia, Thurow divide os grandes problemas atuais em cinco placas tectônicas, a saber: 1) o fim do comunismo; 2) uma era de indústrias de poder cerebral feito pelo homem; 3) demografia (crescendo, mudando, envelhecendo); 4) uma economia global; e 5) um mundo multipolar sem uma potência dominante.

Sobre o final do comunismo, o autor ressalta a quantidade de pessoas (1/3 do total global à época) entraram para o mundo capitalista, de uma hora para outra, em termos de história mundial.

Apesar de o sistema comunista não ser o ideal em termos econômicos, possuía boa qualidade, principalmente, no quesito educação, com uma visão universal do conhecimento. Este ponto, em específico, vem impactando na questão salarial de todo o universo capitalista, que possui nível intelectual aquém das pessoas oriundas do universo comunista.

O autor também aborda a questão da entrada da China para o universo competitivo mundial, com cautela, principalmente no que tange aos números e estatísticas apontadas pelo seu governo, uma vez que são os próprios interessados que realizam a coleta dos dados, tendo sua remuneração diretamente ligada aos resultados apontados. Outra questão que para o autor é relevante é a que diz respeito à questão imobiliária que, em certo ponto no tempo, terá que ser revista e atualizada, o que impactará diretamente nos resultados obtidos e nos salários dos trabalhadores chineses.

Thurow finaliza esta questão levantando as razões essenciais para o sucesso da implantação do capitalismo na China, até o momento, que são: a) a capacidade de poupança do povo; b) a eficiência do governo; c) os chineses que vivem no exterior; e d) a pequena parcela dos trabalhadores chineses lotados em empreendimentos estatais.

A segunda placa tectônica de Thurow é a que sustenta das indústrias de poder cerebral, que vive da contínua substituição de empresas e produtos ditos ultrapassados por novos e mais adaptáveis, como visto na obra de Galbraith acerca dos desenvolvimentos de produtos bélicos cada vez mais potentes e destruidores, que tornavam obsoleta toda a produção anterior.

Este fato corrói a estrutura das grandes e letárgicas corporações, que são substituídas por organizações novas, que apresentam maior dinâmica e agilidade. Enquanto em tempos passados para uma organização (ou país ou região) crescer eram suficientes os recursos naturais, atualmente, o que é considerado é o capital intelectual, os investimentos realizados nas áreas e aspectos pelos quais deseja ser reconhecida.

Como é possível notar, as “placas tectônicas econômicas” impactam umas às outras, colidem e geram impactos em todos os participantes, isto é, em todas as populações.

Populações estas, que após a Segunda Guerra Mundial, principalmente nos países denominados de Terceiro Mundo, explodiu, não por maiores taxas de natalidade, mas por maior qualidade na saúde pública, essencialmente, água limpa, vacinações e acesso a antibióticos.

Apesar dos diversos programas de controle de natalidade, a população mundial continua crescendo, em todos os países, apesar de todas as desigualdades, o que, certamente, culminará em um deslocamento populacional maciço.

Além disso, existe a questão do envelhecimento da população, que, segundo o Thurow, já cria atritos não mais entre classes ou etnias, mas entre gerações, principalmente nos Estados Unidos, onde os eleitores mais velhos, para garantir seus direitos, votam em políticos (e políticas) que apoiam suas causas enquanto os jovens querem novos direitos para eles próprios.

Porém, como o próprio autor aponta, “nada deveria ser mais importante para os idosos do que o sucesso econômico dos jovens”, uma vez que são estes que pagam os direitos daqueles, indiretamente, através de impostos.

E estas não são questões exclusivas dos Estados Unidos. O mundo inteiro está sujeito às mesmas situações com impactos maiores ou menores em suas economias, pois, tudo, de certa forma, está globalizado, “qualquer coisa pode ser feita em qualquer parte e vendida em toda parte” (THUROW, 1997, p. 154).

Muito desta capacidade e impacto entre organizações, nações e/ou blocos econômicos se deve aos avanços tecnológicos, à redução dos custos de deslocamento e de comunicação. Esta facilidade de aquisição de informação e, por consequência, sua transformação em conhecimento pode fazer, por exemplo, com que as empresas desloquem suas unidades fabris de países com altas taxas de impostos para regiões com menor impacto tributário para ela.

Este fato faz com que o mundo não tenha um líder nato. Na verdade, a multipolaridade no mundo e, com os problemas econômicos que passam os Estados Unidos e o Mercado Comum Europeu, sem uma potência dominante.

Na opinião de Thurow, o que manteve o capitalismo coeso nos últimos 50 anos não foi sua ideologia, mas sim, o medo do comunismo. E, em não havendo mais ideologia (ou líderes fortes, que representem o sistema), não há como compreender as ameaças, “tudo está fluido, sem pontos constantes a partir dos quais se pode ganhar alavancagem política” (THUROW, 1997, p. 209). Utilizando um termo usual no texto de Galbraith, não há porta carcomida para se dar um pontapé e surgir um novo líder ou representante para o sistema, muito embora, possa-se estar caminhando para isso.

Tendo explanado acerca das placas tectônicas, Thurow, então, mostra quais podem ser os acidentes geológicos oriundos dos deslocamentos e consequente choque entre elas.

Um destes acidentes seria a inflação. Tida como um vulcão extinto, ela pode retornar à ativa em qualquer momento, pois os trabalhadores gostam de se sentir valorizados através de aumentos salariais, porém se sentem lesados aos preços subirem. Porém, de alguma forma, alguém tem que pagar o aumento de salário do trabalhador e, quase certamente, é ele mesmo.

Outro ponto de desequilíbrio que pode (e certamente foi) importante na esfera mundial é o poder de poupança japonês que, no cenário mundial, de certa forma, sustenta o déficit americano, que deveria focar mais em poupança interna e equalização da balança comercial. Algum problema que aconteça (e aconteceu) no Japão (uma área muito instável geologicamente, sujeita a abalos sísmicos e tsunamis) fará com que suas reservas econômicas sejam gastas na reconstrução do país, abalando o equilíbrio mundial.

Isto também contribuiria para a instabilidade econômica – outro resultado da colisão de placas econômicas – afetado, principalmente, pela ganância humana, o desejo de ganhar mais a qualquer custo. Ganância que foi, de certa forma, uma das causadoras da instabilidade que gerou a crise econômica de 2008, que abalou o sistema financeiro mundial, com a derrocada de diversos bancos, estando ainda alguns países em recuperação após o impacto.

As instabilidades econômicas geram vencedores e perdedores. Os que vencem, seguem suas vidas e os que perdem, procuram guarida na fé, o que, na opinião do autor, se levada a extremos, gera o fundamentalismo religioso e separatismo étnico, outra consequência do choque entre placas econômicas, sendo que “as nações se mantêm unidas devido a desafios externos ou a poderosas ideologias internas” (THUROW, 1997, p. 307).

O último efeito dos choques entre placas econômicas, na opinião de Thurow é um choque em si. O confronto entre as ideologias de democracia e capitalismo. A democracia prega, em seu conceito, igualdade entre todos, “um homem, um voto” (THUROW, 1997, p. 312), porém, em essência os homens não são iguais, possuem talentos desiguais e, por isso, recebem montantes econômicos diferentes.

Nem sempre é uma questão de talento. Pode ser por conta do investimento que fazem em suas habilidades para desenvolvê-las, pela diferença de dedicação empregada, por sua equilibrar suas economias pessoais, entre outros fatores que influenciam. Como lembrava Galbraith, quanto mais popular o governo, mais caro ele é e, desta feita, menos interessante para as empresas ele é, pois têm que destinar quantias maiores de sua receita para cobrir os gastos públicos.

Este é um equilíbrio difícil de conseguir, pois não há consenso entre líderes e liderados e nem entre líderes e líderes, bem como não há entre liderados e liderados.

Reformas são necessárias, porém o capitalismo é reticente a elas, principalmente as de cunho social, pois invoca maiores gastos e investimentos em áreas distintas das de interesse da pessoa e/ou da organização.

Devido a todos esses efeitos de choques apontados pelo autor, ele assinala que a humanidade está passando por um período de equilíbrio interrompido, em que o capitalismo financeiro e o capitalismo físico estão em dissonância.

O desenvolvimento do capital humano não é algo que se adquira fisicamente, é intangível, seu desenvolvimento é mais lento do que os investidores financeiros tendem a suportar e devem ser feitos em uma plataforma social, diferente da individual, pregada pelo capitalismo.

Segundo Thurow, a grande limitação do capitalismo (e dos capitalistas) é não conseguir enxergar o efeito de suas ações contemporâneas no futuro, em 50 ou 100 anos, por possuir um limitador individualista na tomada das decisões e, a partir de que todos possuem razão em suas ações individuais, “o resultado líquido é a irracionalidade coletiva” (THUROW, 1997, p. 388).

É preciso haver equilíbrio entre pessoal e social, entre público e privado, sendo impossível a manutenção de uma sociedade sem este equilíbrio. Por este motivo o comunismo pereceu, bem como o Estado do bem-estar social europeu. Para tanto, será necessário o capitalismo criar novos pilares sobre os quais desenvolverá seu futuro.

Para que isso aconteça, o capitalismo tem que mudar seu perfil de consumidor para construtor, sendo necessário o desenvolvimento de todo um novo rol de estratégias para tratar dos problemas que permanecem desde o início do sistema: instabilidade, desigualdade e o proletariado desgastado. Como ressalta o autor, “os vencedores de amanhã terão características diferentes daquelas dos vencedores de hoje” (THUROW, 1997, p. 412).

Como ressaltado anteriormente, as obras são complementares, apesar das diferentes abordagens sobre o tema e, também, dos vinte anos que as separam.

Muito ocorreu – no mundo – entre as publicações de Galbraith e a de Thurow, que, de certa forma, foram o resultado de uma e a causa de outra. O final da obra de Thurow lembra uma passagem do início da obra de Galbraith, em que ele menciona que Adam Smith certamente se adaptaria aos novos tempos, por ter uma mente disposta a tal. Ao que tudo indica, os capitalistas contemporâneos não estão dispostos à adaptação, o que coloca o sistema em desequilíbrio, facilitando sua derrocada por conta da estagnação. Mudanças são necessárias, em todas as áreas, em todos os sentidos. Pessoas, metrópoles, corporações multinacionais, países, sistemas eleitorais – todos devem ser evolutivos. O grande problema é a estagnação – e estagnados, muitos estão, alguns por comodismo, outros por incompetência. Para estes, há futuro na educação. Para aqueles, pouco há de se fazer.

[1] É sempre bom lembrar que a obra se refere a tempos próximos a 1979, época em que ainda não havia ocorrido a queda do Muro de Berlim, nem a fragmentação do socialismo/comunismo na Europa, dois fatos de crucial relevância econômica no final do século XX.

Dúvidas ou sugestões, entre em contato.


 

Referências

GALBRAITH, John Kenneth. A era da incerteza. São Paulo: Pioneira, 1979.

THUROW. Lester. O futuro do capitalismo: como as forças econômicas moldam o mundo de amanhã. Rio de Janeiro: Rocco, 1997.
(A partir do fichamento e apresentação realizada por Bibiana Conrad – Currículo Lattes)


Resenha confeccionada durante o programa de mestrado da UDESC/ESAG

Disciplina: Pensamento Administrativo: Histórias e Fundamentos
Professor: Dr. Mario César Barreto Moraes

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