Manifestações pós-eleições

Manifestações pós-eleiçõesMuitos dos eleitores de Bolsonaro, desgostosos do resultado da eleição, foram às ruas para tentar reverter o resultado “no grito” nas manifestações pós-eleições que iniciaram logo após a decretação da escolha de Lula pela maioria dos votos.

Não foi a maioria esmagadora esperada por um dos lados e nem houve a virada, também esperada, pelo outro, a partir do que se podia imaginar (para ambos) a partir das pesquisas eleitorais (novamente furadas) apresentadas ainda no sábado à noite.

Pois bem, para analisar o ocorrido, é preciso ampliar a visão por se tratar de um tema complexo e, para tanto, é preciso deixar de lado o viés político e o partidarismo, e rever um pouco da história recente do Brasil.

A história da polaridade nas eleições

A divisão que ora acontece na sociedade possui princípios não tão remotos assim. Vem de 2009*, ao término do segundo mandato de Lula, quando, então, a candidata ao governo pelo PT seria Dilma Rousseff (eleita por duas vezes). Foi o próprio presidente em exercício na época quem disse que as eleições daquele ano seriam do “nós contra eles”, polarizando o discurso entre PTistas e PSDBistas, que, então, tinham como candidato José Serra.

E, desde então, há a polaridade nos pleitos e nas discussões políticas. Ou você é A ou você é B, deixando-se de lado uma miríade de outras opções que poderiam ser – até – mais interessantes. E, se você tiver uma opinião contrária a A, para a maioria, então, você é um apoiador de B, não importando a existência de C, D, E e outros.

As eleições de 2022

Tal como as eleições de 2018, as eleições de 2022 iniciaram muito antes do período eleitoral oficial. Muito antes mesmo. Puxando pela memória, Bolsonaro ainda era Deputado Federal e já viajava pelo Brasil fazendo seus discursos, sua apresentação ao povo. Era – até então – um político de “baixo clero”, como alguns dizem, mas que encontrou em parcela significativa do eleitorado, uma base descontente com quem governava àquela época o país (PT/Dilma) e os escândalos revelados pelas ações da Lava-Jato, com os desfechos que tiveram, entre eles, a prisão de diversos “caciques” do Partido dos Trabalhadores.

O mesmo aconteceu nestas eleições. Lula, depois de ter suas sentenças revogadas (2019), e assim que a amenização da pandemia permitiu, iniciou sua peregrinação pelo Brasil e pelo mundo, conversando com líderes de diversas regiões e nações que mostraram seu apoio ao ex-presidente.

O mandato de Bolsonaro

Sendo bem sucinto, o mandato 2019-2022 de Bolsonaro teve muitas dificuldades. A pandemia COVID-19 (2019-2021) e a invasão da Rússia à Ucrânia criaram instabilidades no mundo inteiro e o próprio presidente não soube lidar adequadamente com a situação, sendo intempestivo em suas falas e declarações e não sabendo lidar com os veículos de imprensa que, cada vez mais, o açoitavam.

Reflexos da gestão Bolsonaro da pandemia

Uma das maiores crises sanitárias mundiais, a pandemia afetou a todos, igualmente. Pobres, ricos, trabalhadores, desempregados, empresários e assim por diante. Ninguém saiu ileso deste período.

O problema da gestão da pandemia pelo presidente se deu pela sua teimosia no “kit COVID”, nos trejeitos com os mecanismos de imprensa e nas suas falas para o público – tudo utilizado contra ele, e tudo ofertado por ele.

Ele não soube gerenciar politicamente esta crise. Não soube lidar com as pessoas e com os mecanismos de imprensa. Falou demais, falou errado e, no tom errado. Ele se esqueceu que não estava na caserna e, sim, na presidência de um país e que o seu povo estava agonizando.

Além disso, dando maus exemplos, constantemente, quase diariamente.

Maus exemplos que foram seguidos – e ainda são – pelos seus seguidores mais fanáticos, por exemplo, não se vacinar, alegando ser uma opção pessoal, apelando para o discurso “liberal individualista”, esquecendo que, quando se fala de saúde pública, a coletividade é mais importante que o individual, sem nem chegar perto de discursos socialistas aqui.

O comportamento “liberal individualista”

As ideias para a gestão econômica de Bolsonaro, com viés liberal, mais inclinado à direita (como preferirem), em que o indivíduo é mais responsável pelas suas conquistas e condição do que o Estado, foram mola propulsora de sua campanha.

Conseguiu angariar muitos seguidores e apoiadores com base neste discurso, mostrou desde o início quem seria seu “super ministro” da economia durante toda a sua campanha, principalmente nas tradicionais lives de quinta-feira, uma vez que seu espaço nas inserções era bastante reduzido.

Esta intenção de um governo economicamente liberal atraiu muitos olhares, porém foi mal interpretado.

Nada contra cada um cuidar do que é seu, trabalhar para conseguir suas coisas e não ter a dependência do Estado. Porém há pessoas que DEPENDEM do Estado. Pessoas que não conseguem garantir sua existência sem o auxílio do Estado. E, para essas pessoas, o Estado tem que “estar lá”, mas não pode (e nem consegue) “estar lá” para todos.

O comportamento “liberal individualista” é válido até o momento em que o interesse coletivo é mais importante, até o momento em que se deve pensar nos outros, na sociedade, antes de pensar em si mesmo, como por exemplo, no caso da vacinação contra a COVID-19, que muitos decidiram não tomar alegando sua individualidade, tal como quando algumas outras tribos bradam “meu corpo, minhas regras”, o que, de certa forma, explica as manifestações pós-eleições, como mostrarei depois.

O resultado das eleições 2022

A primeira eleição direta para presidentes, a partir da “redemocratização”, ocorreu em 1989. Em todas elas, até a de 2022, existe a participação do PT como um grande concorrente, que sempre se mostrou um “partido grande”, com uma grande base de eleitores.

Todas as eleições presidenciais que ocorreram desde então poderiam ir para o segundo turno, caso um dos candidatos não somasse 50% dos votos válidos mais 1, o que seria a maioria dos votos, no primeiro turno. Em duas ocasiões (1994 e 1998) não houve o segundo turno.

Desde 1989, os resultados das eleições (considerando somente o primeiro e segundo colocado) foram, em números arredondados, os seguintes**:

  • Em 1989, Collor (PRN) venceu Lula (PT) por 53% a 47%
  • Em 1994, Fernando Henrique Cardoso (PSDB) venceu Lula (PT) por 54% a 27%
  • Em 1998, o embate, entre os mesmos dois candidatos, terminou 53% a 31%
  • Em 2002, Lula (PT) venceu José Serra (PSDB) por 61% a 39%
  • Em 2006, Lula (PT) venceu Geraldo Alckmin (PSDB) por 61% a 39%
  • Em 2010, Dilma (PT) venceu José Serra (PSDB) por 56% a 44%
  • Em 2014, Dilma (PT) venceu Aécio Neves (PSDB) por 52% a 48%
  • Em 2018, Bolsonaro (PSL) venceu Haddad (PT) por 55% a 45%
  • Em 2022, Lula (PT) venceu Bolsonaro (PL) por 51% a 49%

O resultado foi bastante acirrado, a menor distância de votos entre os candidatos, mesmo considerando um segundo turno, superando, inclusive a já pequena diferença entre Dilma e Aécio, em 2014, onde começaram as suspeitas de fraude no processo eleitoral, seja nas urnas, seja na apuração final, tema sobre o qual não me aprofundarei. Após o pronunciamento do resultado, as manifestações pós-eleições.

Das manifestações pós-eleições 2022

A partir do pronunciamento do resultado das eleições de 2022, no dia 31/10/2022 à noite, iniciou-se, então, nas estradas do Brasil, um “levante” dos caminhoneiros, impedindo a passagem dos demais veículos, em uma ação, pode-se dizer, premeditada, o que pode caracterizar dolo nas ações destes “manifestantes”, baseados em uma suposta possibilidade de as Forças Armadas, com uso do Artigo 142 da Constituição Federal e sob ordem do presidente Bolsonaro, de realizar uma intervenção.

Não é isso o que diz o Artigo 142, basta ler para entender. As FFAA somente agem em três casos:

  1. Defesa da Pátria (em caso de ataque externo)
  2. Garantia dos poderes constitucionais (legislativo, judiciário e executivo, no caso de um deles querer “dominar” o outro)
  3. Garantia da lei e da ordem (por iniciativa de legislativo, judiciário ou executivo).

Quer dizer, se as FFAA forem agir, será para reestabelecer a ordem que está prejudicada por conta das manifestações, o que pode dar início a um cenário ainda mais conturbado de choques e conflitos.

As paralisações, que estão ocorrendo ainda, até o dia 03 de novembro (já 3 dias passados), estão causando problemas para significativa parte da população, que depende das estradas para se deslocar a título de trabalho, saúde, educação e outros.

As cargas também precisam se deslocar. Já há relatos de desabastecimento em algumas cidades, seja em postos de combustíveis, seja em supermercados. Isso quer dizer que, algumas pessoas podem estar já com problemas para se alimentar.

Daí vem a referência ao comportamento “liberal individualista” (ou seria egoísta?) por quem está lá se manifestando, apesar de ter como mote a manutenção da “sua” pátria, não pensa nos demais. Pode até estar pensando no futuro, caso os desmandos das últimas gestões do governo PT no Brasil se repetirem, mas isso somente o tempo dirá.

Como relatado antes, tem-se que parar de pensar no individual quando se tem que pensar no coletivo.

E, como estamos em uma Democracia, há vencedores e perdedores e cabe, aos perdedores aceitarem o resultado.

Não há contestação sobre esse, uma vez que o próprio presidente Bolsonaro já admitiu a derrota.

Porém as manifestações deixam, pelo menos, três mensagens nas manifestações pós-eleições para o futuro governo.

1ª Mensagem: “Estamos de olho”

Como o resultado das eleições foi bastante polarizado, quase um empate, metade da população se sentiu “afetada” em certo grau por ele. Praticamente metade dos eleitores não queria que o vencedor vencesse.

Metade da população eleitora não concorda com o resultado, mas tem que aceitar. Então, que quem foi eleito, faça a sua parte dignamente.

2ª Mensagem: “Temos poder”

Como o principal modal brasileiro é o terrestre, a grande parte do que é produzido no Brasil é escoado e transportado pelas rodovias, então os caminhoneiros formam uma parcela bastante poderosa da população, como já ficou evidente nas paralisações de 2018 e, agora, em 2022.

Além dos caminhoneiros, uma parcela significativa dos eleitores de Bolsonaro são empresários, profissionais liberais e pessoas que não querem mais um governo interferente. Querem “mais Brasil e menos Brasília”, querem mais liberdade para agir.

3ª Mensagem: “Conseguimos nos mobilizar”

Atualmente, com a facilidade das comunicações, dos aplicativos e, por consequência, grupos de transmissão de informações, a capacidade de mobilização, como já mostrado na Primavera Árabe, é muito grande.

Da mesma forma, o compartilhamento de notícias e fatos o é. O acompanhamento do cotidiano da gestão presidencial será alvo de muita cobrança e repercussão. Redes sociais, aplicativos de mensagem e outros serão constantemente usados.

Porém, há o que explique esse comportamento, como por exemplo, as 5 fases do luto, da ruptura com o que, para aquela pessoa, era o normal, o ideal; ou seja, a transformação abrupta do status quo.

As 5 fases do luto

A primeira fase é a da negação, do questionamento sobre se o que aconteceu é verdade ou não, se o resultado é válido ou não, o que já vinha sendo realizado há muito tempo, ao se questionar a legitimidade das urnas e do processo eleitoral como um todo.

A segunda fase é a da ira, da raiva, quando se age intempestivamente, irracionalmente, quando não se pensa no que se faz. A raiva é a extrapolação da insatisfação para os estudiosos da neurociência, isto é, uma potencialização da insatisfação. Como os manifestantes já questionavam o processo, quando o resultado foi apresentado, passaram para a fase da raiva e agiram sem refletir sobre as consequências.

O terceiro estágio é a barganha, a negociação. Tentar-se há tirar algum proveito dessa situação, haverá a tentativa de buscar que alguém faça a tal “intervenção militar”, o que, pelo já explicado, não será realizado.

A seguir, a depressão. Ao ver que nada será possível, que o resultado da barganha será nulo, que o passado não voltará, deprime-se. Os estudos da neurociência que acompanho mostram que a depressão é a potencialização da frustração. A cada frustração (e quanto mais recursiva elas forem), mas depressivo a pessoa fica.

Por fim, o último estágio, que é a aceitação, quando finalmente aceita-se que os elos com o passado foram quebrados, que não haverá retorno ao estágio anterior, que é preciso seguir em frente.

Há aqueles que vivem, intensamente, cada uma das fases e há, por outro lado, quem passe por essas fases com maior naturalidade, que entendem previamente que a vida seguirá novos rumos e se prepara para isso, usando a inteligência, o que, neste caso, pode ser uma manifestação inteligente.

Manifestações inteligentes

O que eu considero uma manifestação inteligente? Aquela que usa da informação e da verdade para chegar a um fim, a um objetivo.

Por que não fazer um levantamento com o perfil de todos os integrantes do governo a se instalar, um dossiê com o histórico de cada um deles, contendo o que fizeram, onde estiveram, que cargos já ocuparam, benfeitorias e escândalos, entre outros?

Por que não fazer um levantamento de vários indicadores econômicos e sociodemográficos a fim de comparação e registro histórico?

Dá trabalho? Dá. Custa muito? Os maiores custos são tempo e dedicação, isto é, mais tempo. Ferramentas para a publicação de blogs e disseminação de informações gratuitas existem aos montes. É uma questão de interesse e dedicação.

Por que não aumentar a base de contatos, inclusive com eleitores “do outro lado” para que eles tenham contato com essas informações?

O problema é que nas redes sociais, principalmente nas virtuais, tende-se a se reunir com os seus, com os que pensam igual a você, não dando espaço para a discussão, quer dizer, a propagação das notícias e escândalos “do outro lado” ficam restritos a um grupo seleto que já pensa da mesma forma. O que também não é muito inteligente.

A minha posição

Não digo que as manifestações pós-eleições sejam de todo erradas, pois o direito à manifestação está previsto em lei, desde que adequadas em forma e teor. Esse foi o problema.

E, por serem inadequadas em forma e teor, são ilegais e, até mesmo, criminosas, por estarem ferindo princípios e direitos essenciais como o de ir e vir.

Eu também não gostei do resultado das eleições 2022. Mas não tenho como contestar o resultado das urnas. Sou um dos quase 50% dos votos válidos não vencedores.

Por que votei em Bolsonaro? Porque posso não concordar 100% com tudo o que Bolsonaro disse e fez, mas discordo 100% de um governo PT, principalmente, de Lula, por tudo o que já fez (e deixou de fazer), por tudo o que ele significa de pior em um político.

Por mim, nenhum dos dois mereceria sequer estar participando do pleito, ambos pelo histórico de “realizações”.

Mas nem por isso, pedi a “intervenção militar” (que não existe) e nem deixei de realizar minhas funções.

Como dizem, há contas a serem pagas e é e o meu trabalho que as deixa em dia.

Um questionamento que deixo é:

Até quando esse patriotismo durará? Até a Copa do Mundo? Ou será que realmente se instalou – finalmente – uma percepção de brasilidade nas pessoas?

Sabem qual é o meu maior medo? As próximas eleições, as de 2026.

Por fim, seguirei observando, seguirei contestando, seguirei analisando.

Contem comigo.

Se você tiver alguma sugestão, opinião ou dúvida, você pode entrar em contato pelo formulário de contato, pelo WhatsApp ou enviar um e-mail diretamente para site@marciokarsten.pro.br.

*Fonte: Gazeta do Povo

** Os resultados sobre as eleições de 1989 a 2018 foram colhidas em levantamentos apresentados na Wikipedia. O de 2022, do informativo do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

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