Cultura organizacional: evolução e crítica (Caps. 1-3)

Maria Ester de Freitas

Maria Ester de Freitas

Os estudos do comportamento organizacional tomaram corpo editorial na década de 1980 e colocaram em evidência a vida interna e externa de algumas das empresas mais conhecidas do mundo e incorporaram uma abordagem relevante na análise organizacional.

Os primeiros autores que escreveram sobre o assunto citavam as características que poderiam ser consideradas causas do sucesso das organizações (com forte embasamento nas empresas japonesas do pós-guerra) e analisavam, entre outros: lições que poderiam ser seguidas, o valores que irradiavam a vida interna dessas companhias, o papel inspirador dos grandes líderes, o desenvolvimento de uma cultura de sucesso e quais as mudanças mestras que mereciam atenção e ajustamento para uma cultura forte.

Neste início dos estudos da cultura organizacional se destacam dois momentos:

  1. Em 1983, a Administrative Sciente Quartely e a Organization Dynmics, renomadas revistas científicas internacionais de administração, dedicaram números especiais ao assunto;
  2. Em 1984, a Graduate School of Business, da Universidade de Pitsburg, promoveu um congresso internacional sobre o tema.

Por seu caráter subjetivo, o estudo da cultura organizacional despertou o interesse para a utilização de métodos qualitativos nas pesquisas, se destacando as metodologias de simbolismo organizacional e estudos comparados across societies (principalmente na Europa).

Cultura, em sua definição, é vista como o conjunto dos conhecimentos que são compartilhados entre os membros de um grupo ou sociedade para a antropologia cognitiva; na antropologia simbólica, a ênfase recai sobre os significados compartilhados e, na antropologia estrutural, a cultura é vista como uma projeção universal da mente.

Com base nos pressupostos de Linda Smircich (1983), uma das principais expoentes sobre os conceitos e paradigmas sobre cultura nas organizações, os estudos sobre o tema tendem a enxergá-lo de duas formas: (a) como uma metáfora (a cultura como algo que a empresa é); ou (b) como uma variável (a cultura como algo que a empresa tem).

A abordagem mais difundida nos estudos da cultura organizacional é o funcionalista, pois busca respostas pragmáticas para os problemas gerenciais.

Outro estudioso da cultura organizacional, Schein (1984) colabora com a interação entre três níveis culturais diferentes: (a) os artefatos e as criações; (b) os valores (no nível inconsciente); e (c) os pressupostos básicos (a visão de mundo).

Por um lado, Pettigrew (1979), utilizando uma corrente interpretativa, vê a cultura organizacional como um “sistema de significados que é aceito publica e coletivamente por dado grupo durante certo tempo”. Por outro lado, Louis (1985), rompe com a ideia de unicidade de cultura organizacional, dizendo ser possível a existência de diferentes culturas nos grupos e locais de trabalho.

A fim de dar um tratamento mais concreto e possibilitar o seu reconhecimento mais facilmente, foram criados e descritos elementos da cultura organizacional. Os citados mais frequentemente na produção acadêmica são:

  • Valores: vistos como o coração da cultura organizacional, definem o sucesso em termos concretos para os empregados e estabelecem os padrões que devem ser alcançados. Indicam quais são as questões prioritárias a serem observadas, que tipo de informação é mais relevante no processo decisório, quais as categorias profissionais são mais respeitadas e exercem importante papel em comunicar ao mundo exterior o que ele pode esperar de uma companhia;
  • Crenças e pressupostos: expressam aquilo que é tido como a verdade na organização, uma verdade que não é questionada nem discutida – é natural.
  • Ritos, rituais e cerimônias: ritos e rituais são atividades planejadas que manifestam o lado concreto da cultura organizacional, enquanto as cerimônias são rituais mais exclusivos, mais elaborados e com caráter mais solene;
  • Sagas e heróis: sagas são narrativas heróicas que louvam o caminho percorrido pela organização com ênfase em grandes obstáculos encontrados e vencidos, elaboradas com a função de despertar a admiração dos membros da organização e suscitar o orgulho em fazer parte de algo especial. Os heróis são parte das sagas e têm como função demonstrar como o sucesso pode ser humano e atingível, personificam os valores e condensam a força e a coragem organizacionais;
  • Estórias: baseadas em eventos reais que informam sobre a organização, reforçam o comportamento existente e enfatizam como esse comportamento se ajusta ao ambiente organizacional adequado, auxiliando os colaboradores a saber como as coisas são feitas pelo grupo;
  • Tabus: são aspectos que irrigam a vida grupal, um conjunto de preceitos que hierarquiza o grau de importância das coisas, a definição das áreas proibidas, sendo mantidos o mais escondido e silenciado possível, pois são temas que causam constrangimento (erros, segredos, comportamentos), que seriam de muito valor se explicitados, para que os erros não se repetissem;
  • Normas: dizem respeito aos procedimentos ou comportamentos considerados padrão para a maior parte das situações e eventos organizacionais.

Cinco estudos (e seus pesquisadores) foram essenciais no que tange ao desenvolvimento da cultura organizacional:

  1. Schein: relaciona o desenvolvimento da cultura com o estágio de vida da organização. No nascimento, muito dependente dos fundadores/idealizadores. Na fase de diversificação, a organização defronta-se com subculturas e crise de identidade e, na fase de maturidade, a cultura se torna uma barreira à inovação, vivendo de glórias passadas, o que exige muito cuidado nas mudanças fortes;
  2. Gibb Dyer Jr.: para este autor, as correntes que analisam a cultura organizacional partem de três pontos: (a) os fundadores e líderes; (b) a interação dos membros da organização; e (c) a capacidade de os membros individuais desenvolverem sua própria cultura para resolver problemas. Este autor sugere um modelo de evolução cultural que considere o processo de resolução de crises na organização e o papel das lideranças, em seis fases condicionantes;
  3. Sathe: propõe que para decifrar a cultura, considerando os aspectos “conteúdo e força”, deve-se tomar três procedimentos principais: (i) inferir o conteúdo a partir das manifestações culturais como as falas, as maneiras de fazer as coisas e os sentimentos compartilhados; (ii) atentar para as qualificações e status dos investigadores, pois o que é revelado pela cultura pode ser afetado por quem está conduzindo a investigação; e (iii) estimar a força da cultura pela observação da proporção de membros que demonstram partilhar as manifestações;
  4. Deal e Kennedy: recomenda dois tipos de análise: (i) com foco externo, que consiste em estudar o ambiente físico, ler o que a companhia fala de sua própria cultura, testar a como a companhia cumprimenta e recebe os estranhos; e (ii) com foco interno, compreender , entre outros, o sistema de progressão de carreiras e de recompensas, quanto tempo as pessoas ficam em determinado cargo;
  5. Shrivastava: descreve a cultura por meio de alguns de seus elementos e sugere quatro categorias, como um bom esquema para identificá-la: (i) os mitos e as sagas; (ii) o sistema de linguagem e as metáforas mais usuais; (iii) o simbolismo presente nos rituais e cerimônias; e (iv) o sistema de valores e as normas de comportamento.

Com relação ao estudo da cultura organizacional há, ainda, uma divisão entre os autores com relação à unicidade ou não desta. A corrente majoritária nas pesquisas culturais, a cultura organizacional é vista como produto de um consenso, de uma harmonia, o que significa que a organização teria uma única cultura integrada em todas as suas dimensões.

As maiores críticas a esse modelo unificado de cultura falam das limitações inerentes a esse universo consensual e harmonioso, as distorções que nascem de um modelo ideal e monolítico de ver, agir e interpretar o mundo a partir da perspectiva de um grupo muito específico como a alta direção ou apenas os seus fundadores, cabendo aos outros indivíduos a aceitação e repetição contínua do que é considerado (por aqueles) uma verdade inquestionável.

Porém, uma cultura de nada serve sem os influenciadores e patrocinadores. No caso das organizações, esse papel cabe a três elementos:

  1. Fundadores e líderes: para os autores que compartilham da visão da unicidade cultural, toda a definição da cultura organizacional cabe a este grupo, sendo eles que sempre terão a exclusividade sobre a criação, desenvolvimento e manutenção desse fenômeno nas organizações;
  2. Profissionais de recursos humanos: por meio de suas atribuições, os membros desse grupo receberam grande destaque e importância nos estudos organizacionais, chegando a ser considerados os guardiões da cultura. A partir dos anos 1990 (ondas de downsizing e rightsizing), o setor foi esvaziado em algumas de suas funções devido à melhor viabilidade da terceirização;
  3. Estratégia e impacto na performance: para os mais pragmáticos, o estudo e o investimento na cultura organizacional deve aumentar a performance da organização, sendo, desta forma, a cultura organizacional manejável pelos administradores para expressar os seus anseios e definir os rumos pretendidos.

O autor finaliza o texto dizendo que “dificilmente encontraríamos hoje um executivo ou um consultor ou mesmo um acadêmico organizacional que negará a importância dos aspectos culturais nos processos de mudança organizacional;  a cultura, se aliada, pode facilitar a transformação organizacional, sem maiores danos, rumo a novos valores” mas emite um alerta: “ela também pode ser um freio forte se a mudança for simplesmente imposta pela cúpula ou se ela for operada sem o conhecimento e a cumplicidade dos diversos grupos organizacionais estratégicos para a implementação de uma nova filosofia ou mentalidade” (p. 61).

Dúvidas ou sugestões, entre em contato.


Referência

FREITAS, Maria Ester de. Cultura organizacional: evolução e crítica. São Paulo: Thomson Learning, 2007. Caps 1, 2 e 3, p. 1-61.


Resumo confeccionado durante o programa de mestrado da UDESC/ESAG

Disciplina: Estudos Organizacionais
Professor: Dr. Mauricio C. Serafim

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