“Nunca fomos modernos”

Bruno Latour faz uma crítica à ciência e ao seu constructo, que insiste em considerar, nas pesquisas, uma dicotomia entre natureza e cultura/mundo social.

Por definição, as chamadas ciências naturais, são caracterizadas pelos estudos quantitativos, empíricos e limitados aos laboratórios, onde as causas e efeitos são controlados e monitorados, enquanto as ciências sociais ocorrem em um ambiente qualitativo, dedutivo, que acontece no dia a dia as populações e, por conseguinte, organizações, não podendo sofrer controle do pesquisador.

Porém, os primeiros defensores das causas naturais e sociais, Boyle (ciências naturais) e Hobbes (ciências sociais), no início da chamada Era Moderna da Ciência, se ampararam em retóricas do campo antagônico ao de seus estudos para embasá-los. Boyle clamou pelo suporte da política (a mais social das ciências), enquanto Hobbes, da lógica e da matemática, uma das mais frias e empíricas das ciências naturais.

Isso por si só já poderia desconsiderar toda a separação entre os estudos sociais e naturais que conduziu a ciência desde então mas, para os cientistas e pesquisadores, a separação continua até os dias atuais.

Porém, os eventos das ciências não estão isolados. Os objetos das ciências naturais não estão isolados em laboratório, em condições normais de temperatura e pressão e, com a observação do pesquisador e a sua perspectiva, os objetos são transformados e, ao mesmo tempo, transformam o observador. Os objetos de pesquisa não são únicos. Um mesmo objeto pode ser interpretado e/ou analisado por diversos pontos de vista, diversas perspectivas, cada qual com a sua conclusão que, como preconiza a ciência, é a raiz de novos estudos e pesquisas sobre o mesmo objeto.

Esta intersecção de fatores (naturais e sociais) cria os objetos híbridos, os quase-humanos, estes sim, os verdadeiros objetos da pesquisa – sempre. Pois os objetos de pesquisa da ciência natural interagem com os das ciências sociais e vice-versa, não estão isolados.

Todas estas considerações levam a pensar na abrangência dos estudos e nas diversas perspectivas que podem estar – e certamente estão – presentes em uma pesquisa qualquer. Os objetos da ciência, quando observados pelo sujeito, estão sob a ótica daquele pesquisador, naquele momento, sofrendo interferências (propositais ou não) por parte dele, que modifica tanto objeto quanto sujeito da pesquisa – contribuição essencial da obra de Latour – sendo que outro pesquisador, com outra perspectiva, sobre o mesmo objeto, teria outras interferências e outras transformações a fazer e sofrer. A Ciência não é única, é plural, é coletiva e, a partir do momento em que os pesquisadores e cientistas se atinarem disto, haverá um meio mais democrático e comunitário de geração de pesquisa.

Por fim, os estudos devem ter algum resultado aplicável, que aproxime a ciência da comunidade a quem ela atende, facilitando a transformação dos resultados das observações em senso comum no meio em que o pesquisador atua. O pesquisador precisa descer de seu estado parentético, de seu isolamento e contribuir de forma ativa ao desenvolvimento da comunidade que o cerca, o que não faz – muito provavelmente – por medo de ter sua legitimidade científica contestada, pois atualmente, com o avanço das ferramentas de pesquisa e o acesso à informação, o conhecimento está aberto a todos, o que favoreceu e fortaleceu a capacidade crítica da sociedade.

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Referência

LATOUR, Bruno. Jamais fomos modernos: ensaio de antropologia simétrica. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1994.


 

Resenha confeccionada durante o programa de mestrado da UDESC/ESAG

Disciplina: Administração e Ciência
Professor: Dra. Maria Carolina Martinez Andion