Administração e estratégia do desenvolvimento: elementos de uma sociologia especial da administração

Alberto Guerreiro Ramos

Alberto Guerreiro Ramos

A burocracia, em consenso, possui duas conotações: uma negativa e outra positiva.

Em sua conotação negativa, há varias linhas de pensamento que a analisam. Os marxistas a consideram a verdadeira expressão da sociedade das classes e, desta forma, tenderia a desaparecer, pois, no socialismo, o que vale é a administração das coisas.

Outros escritores, desta feita, não marxistas, tratam desta visão negativa da burocracia, como:

  • Ludwig von Mises, para quem a burocracia impede uma administração modernizadora ou inovadora;
  • Karl Mannheim, por sua vez, trata a burocracia pelo seu viés conservador;
  • Robert K. Merton aborda o tema sob ponto de vista do ritualismo que trata da não atualização de regras e instrumentos que não possuem mais utilidade;
  • Philip Selznick, que trata da influência dos grupos informais na organização; e
  • Michel Crozier, para quem a burocracia não é adaptativa e não corrige seus próprios erros, dada sua rigidez.

Na concepção positiva da burocracia, encontra-se Max Weber, que definiu a burocracia como “um agrupamento social em que rege o princípio da competência definida mediante regras, estatutos, regulamentos; da documentação; da hierarquia funcional; da especialização profissional; da permanência obrigatória do servidos, na repartição, durante determinado período de tempo; e da subordinação do exercício dos cargos a normas abstratas”. (p. 191)

Para Weber, ainda, a burocracia é “fator de eficiência econômica e ingrediente indispensável de toda associação democrática” (p. 191) e, desta forma, “exigência do funcionamento da sociedade das massas” (p. 192).

Outro autor, Eisenstadt, para que a burocracia funcione em sociedades avançadas, é necessário observar (pp. 192-193):

  1. A diferenciação de esferas institucionais que supõe sejam as atividades econômicas, políticas e religiosas;
  2. Predominância de critérios universalísticos na distribuição dos principais papéis e funções a indivíduos ou grupos;
  3. Definição da comunidade total em termos que transcendem qualquer grupo particular local ou isolado;
  4. Surgimento de numerosos e discretos objetivos que devem ser colimados por grupos de estratos de maior porte;
  5. Crescente interdependência entre os grupos e incremento de dificuldades;
  6. Competição livre, objetivamente regulamentada entre as várias unidades.

Em certos casos, a burocracia está tão inerte que não se consegue alterar as formas institucionais em meses ou anos. Assim, quando uma nova pessoa adentra a organização burocrática, tende a aceitar as regras da sociedade, que o coloca em um círculo vicioso, em que, para permanecer no poder, a pessoa deve assumir repetidos compromissos, distanciando-o de seus objetivos originais que deixam de ser objetivos reais.

Este é um problema crucial quando há uma ruptura na sequência de comando e deseja realizar reformas além do tradicionalmente admitido, subvertendo o sistema de relações existentes.

Nesta situação, para que uma nova burocracia seja criada, depende de fatores endógenos e exógenos.

“A natureza da burocracia e do Estado, em nossos dias, reflete diretamente o caráter geral das relações sociais vigentes na sociedade mundial” (p. 202) e o país que mais se aproxima deste tipo de burocracia é os Estados Unidos., sendo uma vitrina do futuro.
Apesar de parecer difícil que ocorra uma modernização ou inovação junto ao modelo burocrático, é preciso antes de tudo “considerar com maior cuidado as estruturas tradicionais antes de concluir que elas são incompatíveis com a mudança social, política ou econômica”. Conhecer os objetivos nacionais da sociedade e o papel que o serviço público irá ocupar nessas aspirações são fontes de mudança e realização de objetivos.

Para que ocorra, também, é necessário que os ocupantes dos patamares superiores da estrutura burocrática, queiram a mudança. “A execução direta de toda estratégia administrativa modernizante é sempre tarefa de elite, nas condições atuais de nossa época” (p. 206 – grifo original). Sempre que um movimento de modernização burocrática teve início, o epicentro foram as camadas dirigentes, com decisivo suporte das camadas intermediárias e inferiores.

Mais do que distintas camadas organizacionais, as empresas possuem diversas modalidades burocráticas (ou estratégias burocráticas), podendo, inclusive, a organização ser definida como estratificação de distintas burocracias.

No Brasil, um dos estudos realizados é de autoria de Fernando Henrique Cardoso, na obra “Empresário industrial e desenvolvimento econômico”, em que o autor expõe alguns fotos acerca das organizações burocráticas, como:

  • Propriedade e gerência ainda não se diferenciam na maioria das empresas industriais;
  • Grande enfoque na administração à influência de critérios familiares ou de parentesco;
  • O êxito nos negócios depende dos “olhos do dono”;
  • Há grande resistência à modernização administrativa;
  • Principais características do operariado brasileiro:

o   Indivíduos recém chegados do campo;

o   Sem hábitos urbanos de vida

o   Condicionados por critérios representativos de uma ordem pré-capitalista;

o   Dependência para com os patrões.

Neste cenário, “as relações entre chefes e subordinados assumem a feição de compadrio. O chefe é menos um avaliador objetivo de tarefas e performances do que um amigo ou inimigo, um protetor ou desafeto” (p. 214).

Apesar de existirem organizações burocráticas mais arcaicas (como no caso do Brasil) ou menos (Estados Unidos), na opinião de Aflred Diamant, não existe uma burocracia que seja, “intrinsecamente modernizante” (p. 216).

Na opinião deste autor, não há estrutura burocrática desejável ou indesejável, sendo esta avaliação dependente das funções e dos comportamentos que lhe sejam associados.

Em toda burocracia, existe a relação entre elite e massa. Aquela com privilégios na iniciativa e execução de reformas e a outra parte, conduzida passivamente.

No Brasil, existem 5 estratos, a saber:

  1. Burocracia eleita e/ou propriamente política: estas autoridades se credenciam na medida em que satisfazem as expectativas sociais quanto ao papel da administração e suas carreiras não são reguladas por estatutos, elas se qualificam por suas realizações;
  2. Burocracia diretorial: por definição, é transitória, sendo que permanece na administração enquanto dura o mandato do Chefe do Executivo, e sua influência é conseguida pela ligação política de fidelidade ao Chefe do Executivo;
  3. Burocracia técnica e profissional: é um estrato profissionalmente necessário do pondo te vista analítico, em face da modernização e da mudança social;
  4. Burocracia auxiliar: participa escassamente na elaboração de decisões de grande alcance inovador; é um agente passivo de programas de modernização; e
  5. Burocracia proletária: a grande legião de “trabalhadores de macacão” (p. 226), é o mais passivo dos agentes dos programas de modernização e desenvolvimento.

Em geral, para que a burocracia funcione, os administradores devem ter suporte político. Existem, segundo Diamant, quatro tipos de estrutura de poder:

  1. Poliarquia: um regime político largamente representativo, com poder não excessivamente centralizado ou monopolizado, havendo grande participação na elaboração de decisões. Diretrizes alternativas têm chance de serem ouvidas e consideradas livremente;
  2. Poliarquia limitada: são as sociedades com grau intermediário de desenvolvimento, onde não há, “grupos de veto”, mas onde existe decisiva influência na elaboração das decisões.
  3. Regime de movimento e autocracia tradicionalista: ambos são autoritários. O regime de movimento tem como alvo sistemático a promoção do desenvolvimento (erradicação da pobreza, por exemplo) e, não raro, há um “partido de massa dominante”. Nas autocracias tradicionalistas, as funções podem concentrar-se nas mãos de um ditador ou de uma oligarquia.

Dúvidas ou sugestões, entre em contato.


Referência

RAMOS, Alberto Guerreiro. Administração e estratégia do desenvolvimento: elementos de uma sociologia especial da administração. Rio de Janeiro: Editora da FGV, 1966. Cap. 5.


Resumo confeccionado durante o programa de mestrado da UDESC/ESAG

Disciplina: Estudos Organizacionais
Professor: Dr. Mauricio C. Serafim