Interpretativismo e Capacidade Absortiva

Seja como pessoas ou como organizações, está-se, constantemente, avaliando o cenário em que se situa, suas variáveis, seus participantes, seus influenciadores e seus potenciais, procurando adaptar a conduta ao que se descortina, num movimento denominado interpretativismo.

O movimento organizacional interpretativista foi desencadeado a partir da década de 1980, e é originário da Teoria dos Sistemas, da década de 1960, a partir do qual se passou a perceber as organizações como sistemas abertos e de troca com o ambiente que a cerca e não isoladas. O movimento interpretativista proporcionou contribuições pertinentes aos estudos organizacionais, tais como o melhor entendimento de sua função na sociedade e a identificação da necessidade de coleta de informações no exterior para melhor adequação tanto de processos e rotinas, quanto de produtos e serviços oferecidos.

O objetivo deste ensaio técnico é mostrar a relação da filosofia interpretativista adotada pela organização e a adoção de metodologias e criação de habilidades para a melhoria dos processos de aprendizagem organizacional, a capacidade absortiva (ACAP, do inglês absortive capacity).

O interpretativismo parte do pressuposto de que as organizações dependem e são parte do ambiente que as cerca, sendo necessário entendê-lo para melhor adequar a organização. Esta análise pode ser realizada de duas formas: a partir de um cenário dado ou de um cenário construído, dependendo do perfil da organização, o que influencia diretamente no modelo criado a partir da interpretação.

As organizações que têm o cenário como dado se utilizam de pesquisas de mercado, dados, análise racional, cautela e mensuração precisa. Por outro lado, para as que o cenário é construído, a interpretação se dá predominantemente no nível pessoal, mais improvisador e pontual (ad hoc).

A busca de informações pode ser analisada como um processo interdependente composto por três fases (rastreamento, interpretação e aprendizagem), como apresentado na figura 1.

Figura 1: As três fases do interpretativismo organizacional. Fonte: DAFT; WEIK, 2007

Figura 1: As três fases do interpretativismo organizacional.
Fonte: DAFT; WEIK, 2007

Uma das habilidades organizacionais que colaboram com o interpretativismo nas organizações, sendo ela optante da criação do cenário ou do cenário dado, como exibido pela figura 1, é sua capacidade em coletar dados, dar a eles significância e tomar uma decisão a partir deles, que, em se tratando de cenários, são principalmente a conseguidos em fontes externas.

Fontes externas de conhecimento também são críticas para o processo de desenvolvimento de inovações. Mas, tanto quanto as fontes externas, a habilidade em explorar esse conhecimento é significante. Esta habilidade é chamada por Cohen e Levinthal (1990) de “capacidade absortiva” e é proporcional ao conhecimento prévio que as organizações possuem sobre determinado interesse.

Em uma analogia ao processo individual de incremento de conhecimento acerca de determinado tema, os psicólogos sugerem que o conhecimento prévio aumenta a capacidade cognitiva porque a memória (a bagagem de conhecimento) é desenvolvida pela aprendizagem associativa, pela qual os eventos são absorvidos pela memória ao estabelecer conexões com conceitos pré-existentes.

A literatura estudada pelos autores, também sugere, no nível individual, que as habilidades para resolver problemas são desenvolvidas da mesma forma, sendo que os métodos de resolução de problemas tipicamente constituem a base de conhecimento que permite às pessoas a adquirir capacidade para resolver problemas relacionados.

Duas frentes são importantes destacar na habilidade em assimilar informações pelos indivíduos: o aprendizado é cumulativo e o desempenho do aprendizado é maior quando o objeto do aprendizado/estudo é relacionado ao que já é previamente conhecido.

Ao transpor estes conceitos para o nível organizacional, a primeira verificação é que a capacidade absortiva da organização é diretamente proporcional à capacidade absortiva de seus membros individualmente e, assim como nestes, tenderá a se desenvolver cumulativamente, o que torna imprescindível o entendimento tanto da estrutura de comunicação da organização com o ambiente externo, quanto intra-organizacional (nos diversos níveis da organização) e entre os funcionários envolvidos.

Além do conhecimento sobre aspectos técnicos, é importante desenvolver a consciência de onde as especialidades complementares estão localizadas (dentro e/ou fora da organização). Este conhecimento envolve aspectos como “quem sabe o quê”, “quem pode ajudar com qual problema”, e “quem pode aplicar/explorar novas informações”.

Além de buscar o conhecimento e o acumular, ele também deve ser explorado pelas organizações, porém existem casos em que a organização não está apta a realizar a aplicação crua do conhecimento em seus processos, sendo necessário um processo de transformação deste conhecimento. Quando associado à inovação e produtos – como é o caso do artigo de Cohen e Levinthal (1990), este processo é realizado pela equipe de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D) da organização.

Dois fatores possuem maior impacto e afetam os incentivos (financeiros) da aprendizagem organizacional: a quantidade de conhecimento a ser assimilado e explorado e a dificuldade de aprendizagem/assimilação.

O artigo de Cohen e Levinthal (1990) enfatiza e foca nas fases de aquisição, transformação e aplicação do conhecimento, tal como o modelo de Daft e Weick (2007), apresentado na figura 1.

Um modelo mais completo de capacidade absortiva é proposto por Zahra e George (2002), que aborda outras fases no desenvolvimento da capacidade absortiva organizacional, baseado na análise de vasta bibliografia sobre o tema.

O modelo por eles proposto relaciona 4 dimensões da capacidade absortiva (ACAP), divididos entre potencial (PACAP) e realizado (RACAP). As dimensões do grupo potencial são as de aquisição e assimilação.

O papel da aquisição neste modelo é relacionado ao escopo da busca de conhecimento, ao esquema perceptivo, às novas conexões, à velocidade e à qualidade da aprendizagem. Com relação à assimilação, sua importância se dá pela interpretação, compreensão e aprendizagem do que se está sendo estudado.

O grupo realizado comporta as dimensões de transformação e exploração do conhecimento absorvido. À dimensão da transformação cabem os papéis de sinergia e recodificação do conhecimento absorvido para a realidade da organização e, à exploração, o uso e a implementação, de acordo com o core business e a “colheita” de recursos.

Há ainda outros aspectos importantes para a ACAP: (a) as fontes externas e o conhecimento complementar (aquisição, compra, licenciamento, acordos, relacionamento interorganizacional); (b) a experiência (observação do cenário, benchmarking, interação com clientes, alianças com outras empresas); (c) gatilhos de ativação (eventos que encorajam ou compelem a organização à responder à um estímulo interno ou externo específico); (d) mecanismos de integração e o fator de eficiência (facilitam o compartilhamento e a eventual exploração do conhecimento); (e) regimes de apropriação (as dinâmicas institucionais e industriais para proteger as vantagens que as melhorias proporcionam); e (f) vantagem competitiva sustentável (a habilidade de transformação e exploração influenciam a performance pela inovação em produtos e/ou em processos).

O modelo de capacidade absortiva, como proposto pelos autores, é apresentado na figura 2.

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Figura 2: Modelo de Capacidade Absortiva. Fonte: ZAHRA; GEORGE (2002)

Como visto, o interpretativismo é uma das bases da capacidade absortiva e é diretamente influenciado por ela, em um regime cíclico de suporte. Quanto maior e mais desenvolvida a filosofia interpretativista da organização, maior será o aporte e o financiamento de sua capacidade absortiva, que culmina na criação de uma vantagem competitiva sustentável e, quanto maior a capacidade absortiva da organização, melhores e mais pontuais e assertivas serão suas interpretações sobre o ambiente, facilitando a condução dos negócios.

Dúvidas ou sugestões, entre em contato.


Referências

COHEN, Wesley M; LEVINTHAL, Daniel A. Absortive capacity: a new perspective on learning and innovation. Administrative Science Quarterly, v. 35, n. 1, Special Issue: Technology, Orgnizations and Innovation. Mar/1990, p. 128-152.

DAFT, Richard L.; WEICK, Karl E. Organizações como sistemas interpretativos: em busca de um modelo. In: CALDAS, Miguel P.; BERTERO, Carlos Osmar (Coord.). Teoria das organizações. São Paulo: Atlas, 2007, Cap. 11, p. 235-256.

ZAHRA, Shaker A.; GEORGE, Gerard. Absortive capacity: a review, reconceptualization, and extension. Academy of Management Review, v. 27, n. 2, p. 185-203.


Ensaio confeccionado durante o programa de mestrado da UDESC/ESAG

Disciplina: Estudos Organizacionais
Professor: Dr. Mauricio C. Serafim