Uma análise dos cursos de Graduação à luz do Marketing

Neste texto, exponho minha opinião sobre alguns dos fatores, sob a ótica do marketing, que contribuem com a decadência do ensino de nível Superior (Graduação e Pós-Graduação Lato Sensu) no Brasil e, ao final, apresento uma linha de ação para tentar corrigir o rumo.

Para explicar a minha visão sobre a educação no Brasil atual, principalmente no que tange às instituições e cursos de graduação e pós-graduação é necessário um rápido alinhamento conceitual sobre um tema específico.

Fundamentação Teórica

Como é estudado em marketing, há diversos tipos de produtos de consumo. Há o produto de compra por especialidade, o produto de compra comparada e o produto de conveniência. Há ainda o produto não procurado, que trata de produtos desconhecidos ou que demandam esforço de venda muito grande, que é o caso de planos de funeral, seguros de vida e similares.

Os produtos de compra por especialidade são, grosso modo, aqueles que as pessoas compram por conta da marca ou de características especiais que o produto possui, significância, importância ou propósito. Em essência, são produtos com preço muito mais elevado que os da concorrência e a responsabilidade pela aquisição é totalmente do comprador. São exemplos deste tipo de produtos os veículos de alta performance (Ferrari, Bugatti e outros) e os produtos da Apple (iPhone, Macbooks e outros).

Os produtos de compra comparada são aqueles que também possuem grande participação e envolvimento do comprador, mas a responsabilidade é dividida com outros membros da família ou dos círculos de amizade, pois este se consulta com outras pessoas para confirmar e/ou validar a sua opinião sobre o produto por meio de consultas. Como o próprio nome diz, são produtos para os quais são buscadas informações para comparação de atributos de escolha definidos pelo comprador, podendo ser características técnicas, preço, desempenho, ou outros quaisquer. Entre esses produtos, estão fogões, geladeiras, veículos, apartamentos e outros.

A última categoria é a de produtos de conveniência, aqueles em que não há envolvimento nem muita responsabilidade por parte do comprador. São produtos cuja pesquisa se limita às opções em uma gôndola de supermercado, em que se verificam as opções disponíveis (por exemplo, de arroz) e se opta por uma delas, por motivos de comparação praticamente irrelevantes, sendo adquiridos muito mais pela disponibilidade do momento do que por um processo de pesquisa e discussão com os pares. Produtos de consumo em geral, de alimentos à itens de higiene pessoal, passando pelos produtos de limpeza doméstica estão nesta categoria.

Antes de continuar, é bom lembrar, também, que em marketing, produto é qualquer coisa que se oferte, ou seja, bens físicos, experiências, serviços, imóveis, empresas, informações, ideias e outros.

A categorização de uma oferta é o resultado de fatores internos da empresa e de fatores externos. As matérias primas, tecnologias, capital intelectual e processos, por exemplo, contribuem com a criação dos valores internos do reconhecimento da categorização da oferta. O que contribui externamente para a definição da categorização do produto são fatores ligados ao consumidor (comprador) da oferta, como por exemplo, reconhecimento da marca, identificação, propósito, capacidade de endividamento e outros.

Um dos fatores externos que colabora com a definição da categorização dos produtos é a concorrência, ou seja, o excesso (ou crescimento da oferta) de produtos que possuem a mesma função, os ditos concorrentes diretos.

Geralmente, por uma questão de posicionamento – um outro tema de estudos em marketing – geralmente, os primeiros produtos a surgirem em uma nova indústria são os tidos como “de especialidade”, como é o caso das máquinas de café Nespresso, das primeiras marcas de cervejas artesanais, da primeira barbearia temática da cidade, entre outros. Caso mantidos os esforços internos (matéria prima, tecnologia, capital intelectual, branding, etc.), consegue-se manter a categorização do produto e a manutenção dos benefícios a ela atrelados (precificação premium, reconhecimento da marca e interesse na compra, por exemplo).

Isso não quer dizer que os produtos continuem eternamente como “de especialidade”, não passando a ser “de compra comparada” ou “de conveniência”. É importante o esforço da empresa para esta permanência. E, também, não quer sugerir que outros produtos que entrem no mercado (novos entrantes/novos concorrentes) serão produtos categorizados da mesma forma que os já existentes e posicionados no mercado, dado o tempo que já trabalham a sua marca na mente dos compradores.

Entre os produtos de consumo comum, fora aqueles primeiros que mantêm seus esforços de marketing para se manter entre os produtos “de especialidade”, já se encaixam em uma categorização (dita) inferior, como “de compra comparada” e, quando essa categoria, dentro de determinado setor, já está saturada, os novos entrantes/concorrentes tendem a ser categorizados como “de conveniência”.

Uma inferência necessária

Neste ponto, atrevo-me a fazer uma inferência. Os produtos “de especialidade” são elitistas, isto é, destinados à uma elite seja da sociedade, seja da totalidade dos consumidores/compradores. À medida em que os produtos migram para a categoria “de compra comparada”, tornam-se acessíveis, ainda necessitam de certo esforço para sua aquisição, mas não se destinam mais somente àquela elite da categoria anterior.

Da acessibilidade passa-se à popularização da oferta, sendo sua aquisição possibilitada à uma maior parte da população e, neste ponto, ela está em um ponto de categorização entre a “de compra comparada” e a “de conveniência”.

A partir do momento que a oferta se torna uma commodity, isto é, fica de acesso muito fácil e com muitos concorrentes, passa a ser categorizada como “de conveniência” exclusivamente, sendo vendida por preço muito reduzido frente as ofertas das categorias superiores, com baixa lucratividade, necessidade de utilização de recursos de qualidade inferior, o que reflete no desempenho e na durabilidade.

Há ainda, em minha opinião, um outro patamar para as ofertas, ainda inferior ao de commodity ainda, que denomino de vulgar, do latim vulgaris (rusticus, plebeius), que designava a língua falada (e somente falada) pelo povo comum, analfabeto. Tal como o latim da época, essa categoria de oferta é adquirida pelas camadas mais inferiores da população atual que se compara aos soldados, marinheiros, agricultores, barbeiros, escravos e outros daquela época.

Esse tipo de oferta, destinado às massas inferiores, não possui qualquer diferenciação, o que quer dizer que comprar ou não essa oferta não faz diferença alguma à sua vida, não agrega valor ao seu mundo. Se for possível fazer uma comparação, é uma oferta ainda inferior ao arroz branco, que é comprado para acompanhar as refeições e, pelo menos, alimenta as pessoas que o consomem, é a oferta cujo mercado está excessivamente saturado e que, para se fazer notar, deve utilizar estratégias que, por assim dizer, aviltam o mercado, nivelando-o por baixo.

Apesar de haver segmentos em que é praticamente impossível utilizar essas estratégias (como o automobilístico), em outras os sinais de ultrassaturação estão tão evidentes quanto um soco direto no queixo, criando níveis/categorias inferiores de ofertas, como por exemplo, na Educação de Nível Superior ou, como queiram, cursos de Graduação e Pós-Graduação, especialmente, os lato sensu.

Tudo isso aplicado à Educação Superior

Até algum tempo atrás, algo em torno de 40 anos, os cursos de graduação e, principalmente, os de pós-graduação, eram de acesso restrito a uma elite pensadora (e econômica) do país. Havia a possibilidade de se ingressar em Universidades Federais e Estaduais e em algumas reconhecidas Universidades particulares.

Com o passar do tempo e a abertura legal para a instalação de novas Faculdades particulares, esse nível de educação se tornou acessível, facilitando o ingresso (por diversos fatores) de outros níveis da população nos diversos cursos, mas ainda eram instituições reconhecidas pela qualidade dos profissionais que delas saíam. Os professores tinham conhecimento de mercado, tinham titulações (inclusive no exterior), sendo reconhecidos por suas expertises. Neste momento da história, surgiram reconhecidas franquias/chancelas em áreas específicas do conhecimento.

Entre o final da década de 1990 e meados da década inicial do século XXI, aproximadamente, houve ainda mais abertura, causando a popularização dos cursos de graduação e pós-graduação, quer dizer, as instituições que surgiram nesse período já se categorizaram naquele espaço entre as denominações “de compra comparada” ou “de conveniência”. Neste ponto houve uma demanda muito grande por mestres e doutores, devido aos processos de instalação e validação de instituições e cursos, sendo obrigatório certo número destes para tanto instituições quanto cursos terem avaliações melhores.

Com o surgimento dos “grandes conglomerados da educação” e as faculdades com opções online, as instituições (e seus cursos) viraram commodity, isto é, ofertas “de conveniência”, em que o comprador faz pouco esforço para escolher entre as diversas opções.

A última fronteira, em que as ofertas se tornam vulgares, no universo da educação superior e de pós-graduação lato sensu está sendo transposta a passos largos. Neste ponto, de pouco vale escolher este ou aquele curso, esta ou aquela faculdade, pois de pouco fará diferença no currículo do estudante e, para ele, também, pouco importa que seja formado por esta ou aquela faculdade, sendo o mais interessante para ele o título, o certificado, pois é isso que os recrutadores e os profissionais de recursos humanos querem e determinam nas descrições de cargos e salários das organizações. Neste ponto, os mestres e doutores que outrora eram imprescindíveis, foram descartados pelas instituições e, junto com isso, o esforço e dedicação de anos de estudo.

Óbvio, as universidades federais e estaduais e algumas universidades particulares e chancelas/franquias continuam tendo sua categorização como “de especialidade” ou, minimamente, “de compra comparada”, mas cada vez mais, os novos entrantes (concorrentes) se caracterizarão como “de conveniência” ou, até mesmo inferior.

Para exemplificar esse abismo entre o que ainda pode ser considerado elitismo e a vulgaridade, dois exemplos. Do lado elitista, uma amiga minha cursa(va) na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) o curso de graduação de Engenharia Ferroviária e Metroviária que, pelo que vi, no Brasil, só é oferecida em um dos campi da citada universidade, demandando esforços adicionais para os que optam por esse curso, como por exemplo, deslocamento, instalação e sustentação onde ele é oferecido, e, em contrapartida, pelo lado da vulgaridade, passam pela minha timeline das redes sociais, anúncios de cursos de Pós-Graduação que custam em média R$600,00 (na totalidade, pago de forma parcelada) e com conclusão a partir de 4 meses, o que, para mim, é ridículo e questionável, principalmente, no que tange à qualidade e quantidade de conhecimento passado, sendo que os cursos de graduação seguem o mesmo “modus operandi”.

Então, o que pode ser feito?

Uma linha de ação

Eu penso que o primeiro passo que deva ser dado é a real distinção das atribuições que os diversos níveis de certificações (pois dizem que elas são necessárias) “carregam”. Por exemplo, um profissional formado em um curso de graduação é (ou deveria ser) mais pensador, analítico, enquanto um formado em nível tecnólogo possui (ou deveria possuir) características mais práticas, operacionais e, complementarmente, deve-se deixar claro que ambos são necessários e que um é tão importante quanto o outro, pois o que é o pensar sem o executar e o que é o executar sem o pensar?

Isso feito, o segundo passo deve ser dado pelas organizações e seus departamentos de gestão de pessoas (ou recursos humanos, como queiram). Lá reside significativa parcela do problema, principalmente na elaboração dos quadros de cargos e salários. Os profissionais da área (por relatos de amigos vinculados à área) têm dificuldade em traduzir as demandas de determinada posição profissional para a titulação a que ela se refere, preferindo reduzir tudo a títulos de graduação, mesmo que a real intenção seja alguém prático.

Também referente a esses profissionais está a terceira questão que aponto como problemática: o não reconhecimento do crescimento individual pelo próprio esforço. Dentro do tema proposto no texto, o autodidatismo. Por que uma empresa contrataria alguém que não consegue aprender sozinho, principalmente nos níveis mais estratégicos? Uma pessoa que todo o conhecimento deve estar ligado a um certificado quer dizer que foi tutelada a vida toda e não consegue dar um passo sozinha, não consegue crescer sozinha. Será que realmente devemos ter certificados para todos os nossos conhecimentos? A aplicação desses novos conhecimentos no cotidiano de nossas funções e atribuições dentro de uma organização não são suficientes?

O quarto fator está ligado aos alunos/estudantes. Eles devem entender o que significam as diversas opções de titulação que possuem: técnico, tecnólogo, graduação e afins. Saber para que cada uma delas serve e o impacto delas em seus futuros e, também, entender que elas não são excludentes. É possível ter uma formação técnica em determinado momento a priori, mas complementar (caso necessário), com uma graduação a posteriori.

Essa decisão/opção está ligada a um processo que deve acontecer na escola onde ele cursa o ensino médio: a orientação vocacional. Esta era uma prática que já havia em colégios em outros tempos, buscando orientar as escolhas dos alunos que podem optar por segui-las ou não. A retomada desta orientação seria uma quinta tática/opção a ser conduzida neste processo de reestabelecimento da qualidade do ensino superior.

Aliado a isso, em um (quem sabe) sexto momento, é imprescindível o fortalecimento dos ensinos fundamental e médio, pois está-se deixando muita coisa que deveria ser corrigida para depois e, depois (na maioria dos casos) pode ser tarde demais e sei disso por ser pai de uma criança de 12 anos que está nesta fase do ensino. A correção do português, principalmente, da grafia correta e das regras e padrões ortográficos é imprescindível. O construtivismo não cabe nesta fase de ensino e sou irredutível com relação a isso, pois é necessária certa base para, então, poder crescer a partir dela. Neste ponto, há muito a aprender das artes liberais e dos adotantes do homeschooling.

Para isso, por fim, é preciso repensar a formação dos professores mais elementares do processo educativo, reformatar a educação dos educadores, rever os cursos de pedagogia, apesar de todo o discurso ideológico que se sabe existir por trás deles.

Quem sabe, esse não seja o último passo a ser tomado, mas sim o primeiro e, então, rever essa lista de trás para frente, do último para o primeiro. Sim, é um processo longo, mas que deve ser iniciado, deve ser tomado seriamente, para que não sejam repetidos os resultados brasileiros nos indicadores PISA que só vêm caindo, que se saiba escrever e respeitar a nossa língua, que se tenha orgulho da posição profissional que se ocupa e que se escolha de forma certa o caminho profissional que se quer seguir, no nível mais adequado à sua capacidade cognitiva.

Conclusão

É difícil escrever isso, mesmo por ser um professor de graduação, mas, como não sou hipócrita, a educação superior não é para todos, mas também não é somente para uma elite. Seria muito interessante a criação e disponibilização de cursos técnicos e/ou profissionalizantes melhores no Brasil bem como a valorização destes e do autodidatismo pelos profissionais das áreas de contratação e descrição de cargos e salários das organizações.

 

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